• 13 de junho de 2025 11:43

O Paradoxo do Amor: Quando Distanciar-se é Cuidar – Padre Ezequiel Dal Pozzo

ByGabriela Andrighi

jun 11, 2025
Padre

Nossa cultura contemporânea exalta a conexão incessante, a proximidade constante e a partilha imediata como pilares dos relacionamentos saudáveis. Nesse contexto, a ideia de que o distanciamento possa, em determinadas circunstâncias, ser um gesto de profundo amor, soa quase como uma heresia sentimental. No entanto, um olhar mais atento, iluminado pela sabedoria da fé e pela complexidade da experiência humana, revela que o afastar-se, longe de ser sempre sinônimo de abandono ou indiferença, pode emergir como uma das mais maduras e, por vezes, dolorosas expressões de cuidado e respeito. O amor, em sua essência divina e humana, é multifacetado. Ele se manifesta no abraço que acolhe, na palavra que conforta, mas também na difícil decisão de estabelecer limites. Pensemos no “amor que protege”. Em dinâmicas relacionais onde a toxicidade, a dependência emocional ou ciclos de dor se instalam, o distanciamento pode ser a única via para preservar a integridade de um ou de ambos os envolvidos.

Não se trata de uma fuga covarde, mas de uma corajosa demarcação de território emocional, um ato de autopreservação que, em última instância, também pode proteger o outro de perpetuar padrões destrutivos. É um espaço necessário para a cura, para o reencontro consigo mesmo e, quem sabe, para um reencontro mais sadio com o outro e com Deus no futuro. Há também o “amor que liberta”. Amar verdadeiramente alguém é desejar seu bem mais profundo, e isso, por vezes, implica em permitir que o outro trilhe seu próprio caminho, mesmo que esse caminho nos pareça incerto ou nos cause a dor da saudade.

É o amor que confia na capacidade intrínseca do ser humano de aprender, de crescer com suas próprias escolhas e de encontrar sua singularidade. As escrituras nos oferecem um vislumbre desse amor na parábola do Filho Pródigo (Lucas 15:11-32), onde o pai, com o coração partido, permite que o filho mais novo parta com sua herança. Esse pai não deixa de amar; seu amor se manifesta na liberdade concedida, na esperança do retorno e na alegria do reencontro, sem recriminações. Até mesmo Jesus, modelo de amor perfeito, nos ensinou sobre a importância de momentos de retiro e distanciamento.

Ele frequentemente se afastava das multidões e dos próprios discípulos para orar, para estar a sós com o Pai (Marcos 1:35, Lucas 5:16). Esse não era um distanciamento por desamor, mas uma busca por fortalecimento espiritual, por clareza e por intimidade com Deus, para poder amar e servir ainda mais intensamente. Portanto, o distanciamento, quando não é fruto do egoísmo ou da indiferença, mas nasce do respeito mútuo, da necessidade de proteção, da busca por cura ou do desejo genuíno pelo crescimento do outro, pode, sim, ser um ato de amor autêntico e corajoso. É uma sabedoria que exige discernimento e, muitas vezes, um coração que aceita a dor da separação temporária em nome de um bem maior.

Nessa difícil dança entre aproximar-se e afastar-se, o amor de Deus é nossa bússola e nosso sustento. Ele nos cura ao nos conceder o discernimento para tomar decisões sábias, mesmo que dolorosas; nos transforma ao nos ensinar a amar com maturidade, respeito e desapego; e nos sustenta na solidão ou na saudade que o distanciamento pode gerar, mantendo viva em nossos corações a chama da esperança e da oração por aqueles que amamos, mesmo que à distância. Que possamos aprender a amar com essa profundidade, sabendo que, às vezes, o maior gesto de amor é permitir que o outro (ou nós mesmos) encontre seu próprio espaço para florescer.

Um abraço do Padre Ezequiel

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