Conversamos com Rafael Figueiredo, que é educador social, músico e escritor. Seu repertório autoral conta com mais de duzentas músicas, e contempla vertentes como as modas de viola, a trova, a MPB, além de temas para peças de teatro.
Nesta entrevista, ele nos conta como funciona o seu processo de criação, sua identidade como artista e o seu trabalho na Cia das Esferas.
Confira a entrevista:
Como nasceu a sua vontade de escrever? Sua maior produção é de letras de músicas?
O primeiro impulso veio aos sete anos de idade, enquanto escutava um dos discos de meu tio. Lembro bem da sensação: “Eu quero fazer isso também!”. Mas ainda era muito novo para fazer qualquer projeto, né… Então, depois de alguns anos, lá pelos doze, eu finalmente aprendi meu primeiro acorde no violão, e passava horas inventando letras e tocando aquele mesmo som. A família devia odiar, mas aquele era o princípio do meu processo criativo.
Sem dúvida, minha maior produção é de letras de música. Com certeza, já são mais de duzentas registradas e mais um caderno em casa esperando registro. Tenho também alguns sonetos e poemas, peças de teatro, entre outras coisas. Mas em relação a quantidade, as letras estão na frente.
Como funciona o seu processo de criação das letras de músicas?
Da forma mais variada possível. Gosto de pensar em uma coisa que o Ferreira Gullar fala sobre a poesia. Ele diz que a poesia acontece, não tem como prever ou controlar, ela vem. Depois, obviamente, temos a técnica para dar seguimento para aquela primeira ideia. Na letra de música não é muito diferente. Claro que tem a melodia e tudo mais, mas o tema subjetivo se apresenta de uma forma ou de outra, quando estamos disponíveis. Quero dizer, se você estiver com o violão na mão, melhor, mas nem sempre é assim. Em contraponto, eu nunca elaboro o tema sem o instrumento. Às vezes tenho uma ideia, qualquer uma, e anoto onde puder. Depois, só vejo de novo quando puder trabalhar na música.
Quais músicos e escritores mais te influenciaram?
Acho que acima de tudo a poesia e a literatura foram as maiores responsáveis pela minha escrita. Autores como Dante Alighieri, Edgar Allan Poe e George Orwell formaram um pouco do meu gosto estético na pré-adolescência, depois vieram os poetas, Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar e tantos outros.
Sobre músicos e compositores, foram muitos. Sou, até hoje, um fã do rádio, a ideia de ouvir o que vier sempre me agradou. Quando era adolescente a gente ficava com o dedo no “REC” do gravador. Quando tocava uma música que se gostava, apertava rápido o botão. Foi assim que conheci Tom Zé, Maria Bethânia, Chico César, Vitor Ramil, Nico Nicolaiewsky, Os Almondegas, Os Mutantes, Cartola…, enfim, a música brasileira, culturalmente diversa e intensamente criativa.
Em sua biografia, você fala da construção de sua identidade própria. Como foi para você essa construção?
Ela continua acontecendo, sempre. Não sei se algum dia vou sentir que está concluída. Mas hoje me sinto mais próximo dessa identidade que eu falava antes. De ser um artista brasileiro, sabe. Isso é muito representativo, é preciso sentir a proximidade com aquilo se faz, com a cultura do lugar como um todo. Aquela coisa do Tolstói: “Cante sua aldeia e será universal”. Isso é complicado, tem que cavar fundo, entende. Então comecei a compor de tudo, de milonga abaião, e vi que me sentia identificado com todas essas vertentes. Estudei um pouco de piano, de viola caipira, de violão erudito e popular, História da Arte, e com o tempo fui aprimorando e refinando minha escrita. Hoje acredito que estou mais próximo que ontem, mas ainda tenho um longo caminho pela frente, no que se pode chamar de identidade artística.
Conte um pouco sobre a união da música e das artes cênicas e do seu trabalho na Cia das Esferas
Então, desde o colégio eu escrevia peças para o grupo de teatro do qual participava. Sempre fui muito próximo das artes cênicas, tanto no fazer, quanto como espectador. Lá por 2008, tive a oportunidade de unir a música com o teatro pela primeira vez. Aconteceu que foi demais. Ali nascia o primeiro esboço do que viria a ser a Cia. Esferas. Passei então a compor músicas para peças, além de escrever os textos e ajudar na direção geral dos espetáculos.
Hoje, minha função dentro da Cia. é a de preparação rítmica e de voz para os atores, além de escrever as peças, é claro. A direção desta equipe é compartilhada entre três educadores, a Madalenna Leandra, o Arthur Vinadé e eu. A Cia. ainda conta com outros membros na equipe, Fernando Figueiredo, nas áreas de ilustração, Gustavo Roth, na área de luthieria e customização de instrumentos, e da Janine Demenighi, na área de educação ambiental. Estas outras esferas ainda estão na fase de desenvolvimento de projetos. Creio que no próximo ano já estaremos girando em todas elas.