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Esquerda ou direita: Afinal de contas, o que era o nazismo?

ByEduardo Vetter

nov 5, 2019
Em meio a crise econômica e política na Alemanha, nazismo trazia ideia de "revolução social". mas só para os "arianos"
Em meio a crise econômica e política na Alemanha, nazismo trazia ideia de “revolução social”. mas só para os “arianos”

“Cara, cai na real! Ser de esquerda é ser a favor de milhares de mortes causadas pelo comunismo e nazismo no mundo. Reflita!”, diz uma mensagem de janeiro no Twitter. “O socialismo/comunismo é uma ideologia de esquerda irmã do nazismo”, diz outra do final de abril. Outro participante da rede social pergunta: “Quantas pessoas será que estão em grupos de libertários no Facebook discutindo se nazismo é esquerda ou direita neste exato momento?”.

A discussão sobre se o movimento nazista alemão – cujo governo matou milhões de pessoas e levou à Segunda Guerra Mundial – teria as mesmas origens do marxismo ferve nas redes sociais há alguns meses, com a crescente polarização do debate político no Brasil.

Historiadores esclarecem o que dizem ser uma “confusão de conceitos” que alimenta a discussão – e explicam que o movimento se apresentava como uma “terceira via”.

“Tanto o nazismo alemão quanto o fascismo italiano surgem após a Primeira Guerra Mundial, contra o socialismo marxista – que tinha sido vitorioso na Rússia na revolução de outubro de 1917 -, mas também contra o capitalismo liberal que existia na época. É por isso que existe essa confusão”, afirma Denise Rollemberg, professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Reprodução Twitter
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“Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo tinha.”

O projeto do movimento nazista, segundo Rollemberg, previa uma “revolução social para os alemães”, diferentemente do projeto dos partidos de direita da época, “que vinham de uma cultura política do século 19, de exclusão completa e falta de diálogo com as massas”.

Mesmo assim, ela diz, seria complicado classificá-lo no espectro político atual. “Eles rejeitavam o que era a direita tradicional da época e também a esquerda que estava se estabelecendo. Eles procuravam se mostrar como um terceiro caminho”, afirma.

Nacionalismo

Reprodução Twitter
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A ideia de uma “revolução social para a Alemanha” deu origem ao Partido Nacional-Socialista alemão, em 1919. O “socialista” no nome é um dos principais argumentos usados nos debates de internet que falam no nazismo como um movimento de esquerda, mas historiadores discordam.

“Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram”, disse Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e especialista em análise do discurso nazista e totalitário.

“O que é fundamental aí é o termo ‘nacional’, não o termo ‘socialista’. Essa é a linha de força fundamental do nazismo – a defesa daquilo que é nacional e ‘próprio dos alemães’. Aí entra a chamada teoria do arianismo”, explica.

De acordo com Blikstein, os teóricos do nazismo procuraram uma fundamentação teórica e filosófica para defender a ideia de que eles eram descendentes diretos dos “árias”, que seriam uma espécie de tribo europeia original.

Segundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois "inimigos" do nazismo: o capitalismo liberal e o socialismo marxista
Segundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois “inimigos” do nazismo: o capitalismo liberal e o socialismo marxista

“Estudiosos na Europa tinham o ‘sonho da raça pura’ nessa época. Quanto mais próximos da tribo ariana, mais pura seria a raça. E esses teóricos acreditavam que o grupo germânico era o mais próximo. Daí surgiu a tese de que, para serem felizes, tinham que defender a raça ariana, para ficar longe de subversões e decadência. (Alegavam que) a raça pura poderia salvar a humanidade.”

A ideia de uma defesa do povo germânico ganhou popularidade em um momento de perda de territórios, profunda recessão e forte inflação após a Primeira Guerra Mundial – e tornou-se o centro do movimento nazista.

“Era preciso recuperar a moral do pobre coitado, que não tinha dinheiro e era ‘massacrado pelos capitalistas'”, explica Blikstein. Nesse contexto, afirma, o nazismo vendia a ideia de “reeguer o orgulho da nação ariana. O pressuposto disso seria eliminar os não arianos. E essa teoria foi aplicada até as últimas consequências”.

‘Marxistas e capitalistas’

Mesmo propagando a ideia de que o nazismo planejava uma revolução social na Alemanha – o que incluía, por exemplo, maior intervenção do Estado na economia -, o partido fazia questão de deixar clara sua oposição ao marxismo.

“Os comícios hitleristas eram profundamente antimarxistas”, disse a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que é estudiosa de movimentos neonazistas.

“O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes – como defendia o socialismo – e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais. As escolas nacional-socialistas que se espalharam pela Alemanha ensinavam aos jovens que os judeus eram os criadores do marxismo e que, além de antimarxistas, deveriam ser antissemitas.”

Os judeus, aliás, tornaram-se o ponto focal da perseguição nazista porque representavam tanto o socialismo como o capitalismo liberal, mesmo que isso possa parecer antagônico nos dias de hoje.

“Havia uma simbologia do judeu como representante, por um lado, do socialismo revolucionário – porque Marx vinha de uma família judia convertida ao protestantismo, assim como muitos bolcheviques”, diz a historiadora Denise Rollemberg.

“Por outro lado, os judeus eram associados ao capitalismo financeiro porque os judeus assimilados (que assumiram as culturas de outros países, para além da nação religiosa) que viviam na Europa tinham uma tradição de empréstimos de dinheiro e de negócios.”

‘Precisão científica’

Reprodução Twitter
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A “precisão científica” do extermínio de judeus na Alemanha nazista também dificulta as comparações com a perseguição política no regime socialista soviético, na opinião de Izidoro Blikstein.

“Há muitos genocídios pelo mundo, mas nenhum igual ao nazismo, porque este era plenamente apoiado por falsa teoria científica e linguística e levada até as últimas consequências. A União Soviética também tinha campos de trabalhos forçados, mas não existia uma doutrina para justificar isso”, afirma.

“Mas há traços comuns entre o nazismo o regime (soviético) de Stálin. A propaganda, por exemplo, e o fato de que ambos eram regimes totalitários, que controlavam e legislavam sobre a vida pública e também privada do cidadão”, admite.

Além dos judeus, o regime nazista também perseguiu democratas liberais, socialistas, ciganos, testemunhas de Jeová e homossexuais – algo que, hoje, contribui para que o nazismo seja classificado como extrema-direita, e o aproxima de grupos que pregam contra a comunidade LGBT, contra imigrantes e contra muçulmanos, por exemplo.

Reprodução Twitter
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“Todo esse projeto de repressão, censura, campos de concentração e extermínio nazista era direcionado a quem estava fora do que eles chamavam de ‘comunidade popular’, o povo alemão. Mas alemães que eram democratas liberais e socialistas também eram excluídos por serem contrários ao projeto nazista e colocarem em risco essa comunidade popular”, explica Denise Rollemberg.

No entanto, para Blikstein, a ideia de raça é tão central ao nazismo que, assim como não se pode usar o projeto de revolução social para classificá-lo como “esquerda”, também é difícil defini-lo como a “direita” que conhecemos hoje.

“Dizer apenas que Hitler era um político de direita é apequenar o nazismo. Foi mais do que direita ou esquerda. Foi uma doutrina arquitetada para defender uma raça, embora esse conceito seja discutível e pouco científico”, diz.

 

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